domingo, 29 de abril de 2012

Um olhar sobre o filme: ‘Um Método Perigoso’



Conceição Soares Beltrão[1]


Elisa Freitas Machado[2]


Flora Bojunga Mattos[3]


    O filme “Um Método Perigoso” (A Dangerous Method – 2011 - Canadá/Reino Unido/Alemanha) do diretor David Cronenberg, também o roteirista junto a Christopher Hampton, que se embasa em sua peça teatral “The Talking Cure”, apoiado no livro de John Kerr (A Most Dangerous Method), impressiona pela sua monotonia, explorando não só uma relação sado-masoquista de Jung com sua paciente na época - Sabina Spielrein - como também a cansativa e desgastada ruptura entre Jung e Freud.

    O cineasta nos priva da beleza da dinâmica da anima – imagem do feminino na psique inconsciente do homem – de Jung e especula uma relação triangular e extraconjugal, nos seus ainda não trinta anos, no início de sua carreira de psiquiatra, quando ainda experimentava o método de Freud.

    As cenas de sexo entre Sabina e Jung invertem a imagem da subjetividade – apenas fazendo menção numa das cenas vista através do espelho – confundindo as tomadas do grotesco e do conflito interno da paciente como se fosse real.

    Apesar de estar reunidos num mesmo trabalho: um talentoso diretor de cinema, o Amor (Eros) e o maior psicólogo do mundo – como Jung é nomeado no filme –; vemos mais uma oportunidade de mostrar a relação de Jung com o inconsciente fugir entre os nossos dedos. Von Franz, no filme “Remembering Jung”, fala do sofrimento de Jung diante das exigências do inconsciente e do conhecimento que dispomos hoje sobre a psique inconsciente, a qual emergiu dessa relação de Jung com o inconsciente.

    No filme, “Um Método Perigoso”, a questão central é a infidelidade (Jung/Emma) vivida com a ex-paciente Sabina. Essa temática se repete como já vimos em outro filme “A Jornada da Alma” (The Keep Soul) e em várias biografias sobre Jung. No livro Freud/Jung correspondência completa Jung escreve a Freud: “uma paciente que há anos tirei de uma neurose incômoda, sem poupar esforços, traiu minha confiança e amizade da maneira mais mortificante que se possa imaginar. Resolveu armar um torpe escândalo simplesmente porque me neguei ao prazer de lhe fazer um filho. Sempre procedi com ela como um perfeito cavalheiro, mas perante o tribunal de minha consciência por demais sensitiva não me sinto realmente imaculado, e é isso o que mais dói, porque minhas intenções nunca deixaram de ser dignas. Mas o senhor sabe como são as coisas – mesmo o que há de melhor pode servir ao diabo para a fabricação de imundície. (...) Meu relacionamento com minha mulher ganhou enormemente em profundidade e firmeza.”
[4] Meses depois Jung ainda escreve a Freud: “Tenho boas notícias a dar sobre meu problema com Spielrein. Eu vi tudo muito negro. Estava quase certo de que se vingaria, depois que rompi com ela, e só me surpreendi com a banalidade da forma que essa vingança assumiu. Anteontem ela veio à minha casa e tivemos uma conversa muito decente, durante a qual transpirou que o boato que corre a meu respeito não parte em absoluto dela. Foram minhas ideias de referência, bem compreensíveis nas circunstâncias, que lhe atribuíram tal boato, mas desejo me retratar incontinente. Além disso ela se libertou magnificamente bem da transferência e não sofreu recaída (...) discuti com ela o problema do filho, imaginando que falava em termos teóricos quando na realidade Eros se agitava sorrateiramente nos bastidores. (...) Possuído pelo delírio de ser vítima dos estratagemas sexuais de minha paciente, escrevi à mãe dela dizendo que eu não era o gratificador dos desejos sexuais da filha, mas simplesmente seu médico, e exortando-a a libertar-me da mesma. Tendo em vista o fato de que pouco antes a paciente fora minha amiga e gozara de toda a minha confiança, meu gesto foi uma autêntica safadeza que só com muita relutância confesso ao senhor como meu pai. Gostaria agora de lhe pedir um grande favor: que mandasse algumas linhas a Frl. Spielrein, dizendo-lhe que o informei de todo o assunto, e em particular da carta aos pais dela, que é o que mais lamento. Quero dar à minha paciente pelo menos uma satisfação: a de que tanto ela quanto o senhor sabem de minha “perfect honesty”. Peço-lhe mil perdões, foi só minha tolice que o envolveu nesta confusão. ”[5]

    A questão a ser abordada é a fidelidade, isto é, a fidelidade de Jung ao inconsciente como ele mesmo escreveu: “Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou”, na primeira frase do livro Memórias Sonhos Reflexões, evidenciando a importância da dimensão inconsciente em sua vida. Discorrendo sobre a anima, Jung estende a questão até a problemática da bigamia, e afirma que: se não tivesse entendido a dimensão simbólica dessa realidade, ele teria sucumbido às forças obscuras do inconsciente, à semelhança de tantos outros, e como do próprio Otto Gross.

    A dimensão do Eros para Jung representa uma relação com o próprio inconsciente. Esse é o ponto fulcral, porém, esquecido nas especulações sobre a vida de Jung. Neste sentido, lamentamos o foco dado por essas produções, as quais marginalizam a possibilidade de existência do inconsciente. Infelizmente, em nossa contemporaneidade, o mundo simbólico ainda não encontrou lugar. Nesta perspectiva, cabe lembrar que Jung, quando questionado se haveria uma Terceira Guerra Mundial, afirmou que para não ocorrer uma Terceira Guerra Mundial seria necessário que cada um de nós recolhesse a sua própria sombra e isso exigiria uma relação ética, conectada com o centro da personalidade total, o Si-mesmo. Desse modo, urge a necessidade de cada uma/um de nós olhar para a sua própria sombra.



[1] Doutora em Letras, Psicoterapeuta de orientação Junguiana no Espaço Arte-Ciência, www.espacoarteciencia.com.br


[2] Bailarina e Terapeuta Corporal de orientação Junguiana http://www.elisafreitasmachado.com/


[3]Psicoterapeuta de orientação junguiana no Espaço Arte-Ciência, mestre em Psicologia Social e da Personalidade, www.espacoarteciencia.com.br


[4] Burghölzli-Zurique, 7 de março de 1909, 133J.

[5] Im Feld, Küsnach bei Zurich, 21 de junho de 1909, 148 J.