quarta-feira, 28 de julho de 2010

UFOLOGIA e a PSICOLOGIA ANALÍTICA


Flora Bojunga Mattos

Recebi convite para ser palestrante na II Semana de Ufologia em Porto Alegre com enorme curiosidade de saber como anda o estudo e a discussão sobre os fenômenos ufológicos. Essa foi uma experiência bastante singular, uma oportunidade de mostrar como nós, da Psicologia Analítica, nos inserimos em um assunto ainda hoje tão polêmico, como o da Ufologia.
Minha fala situou-se nos estudos realizados por C. G. Jung, em seu volume (X/4) das Obras Completas, intitulado “Um mito moderno sobre coisas vistas no céu”, no qual ele apresenta uma pesquisa vasta e interessante sobre como o ser psíquico humano lida com o tema da Ufologia. E segui: “Ele se dedicou por 10 anos, coletando relatos, dados, perseguindo a pergunta: ‘os discos voadores são reais ou simples produtos da fantasia?’ e em 1958 organizou os dados coletados nesse livro. Foi após 30 anos, em 1988, que a língua portuguesa brasileira teve acesso numa tradução feita pela editora Vozes.
Nós, profissionais da Psicologia, não nos ocupamos em falar da realidade física dos OVNIs, pois entendemos que esse é um campo específico do conhecimento e aqui devo estar entre estudiosos e pesquisadores do assunto. O que nos cabe é sugerir que a pesquisa siga adiante, pois o que Jung observou e continuamos a constatar também, é que há interesse do ser humano no assunto. Portanto, esse não é um tema indiferente, pelo contrário, mobiliza um grande número de pessoas no mundo. Mesmo sem conhecimento, as pessoas tendem a opinar sobre o assunto. Todas dizem algo, seja o que for, porque esse assunto não lhes é indiferente. Só isso já deveria nos motivar a estudar, porque mexe com as pessoas a ponto de haver uma probabilidade no ser humano do fato desejável de uma realidade concreta dos OVNIs em maior número do que o seu contrário.
Mas o que nos compete abordar é sobre o componente psíquico envolvido. Para Jung, mesmo uma pessoa com o pensamento extremamente racional, também para ela, a percepção sempre será acompanhada da fantasia. Por outro lado, uma fantasia, que de alguma forma está se desenvolvendo na psique inconsciente, pode invadir a consciência a ponto de criar ilusões e visões, e se projetar na realidade física.
A pesquisa explanada nesse livro por Jung contempla tanto um modo como o outro. Explicando melhor, a visão concreta de algo cria um mito, que acompanha essa realidade e, por outro lado, um conteúdo inconsciente profundo, que chamamos de arquetípico, também pode criar uma visão, que se manifesta tal qual uma realidade física. E o que é mais interessante é a terceira possibilidade explicitada por Jung, a qual denomina de coincidência ‘sincronística’. Ele aqui se refere ao seu conceito de sincronicidade.
Sincronicidade é algo que não lida com a causalidade, portanto é acausal, possuindo uma significação que une dois ou mais eventos, os quais acontecem no mundo externo e interno, isto é, no psíquico interior. Esta é uma visão singular formulada por Jung, pois nos mostra como um fenômeno físico pode se relacionar com os processos psíquicos profundos – os arquétipos. Posso citar alguns exemplos, entre eles aquele já tão conhecido do relógio que pára no momento de uma morte.
Antes de irmos mais adiante, gostaria de enfatizar que nós somos seres psíquicos totalmente dependentes da cooperação do inconsciente – dessa parcela psíquica que desconhecemos. Sabemos que a maior influência vem dessa camada desconhecida – inconsciente – e que é algo constante em nós, participando de todos os momentos de nossa vida. Mesmo que não saibamos, não percebamos, somos completamente influenciados/as por essa instância inconsciente que pode inclusive atrapalhar nossa atenção, nosso entendimento, e pode ainda, como disse Jung, até interromper a próxima ideia que estamos para expressar ou, ao contrário, contribuir para que percebamos algo além do já conhecido, trazendo ideias novas, novas soluções, propor atos criativos. Enfim, o que quero enfatizar é que a nossa razão, nossa maneira de pensar, de sentir, de perceber, está completamente submersa em nossas fantasias inconscientes, mesmo que não acreditemos nisso, essa influência inconsciente continua a atuar e, talvez, por isso mesmo – na certeza ilusória do domínio da razão -, por esse motivo, principalmente, a interferência do inconsciente pode ser ainda mais forte, maior, como um jeito, uma maneira compensatória de lidarmos com a vida.
Para a Psicologia, o que interessa é ‘como’ a psique lida com uma informação, seja ela advinda do mundo físico, seja ela projetada - como uma ilusão - pelo mundo da fantasia. Uma coisa pode estar na minha frente, mas se essa coisa não tem uma conexão comigo, com o meu ego, eu não a percebo. Ao passo que se algo é importante para mim de alguma forma, passo a criar uma imagem psíquica, uma imagem projetada fora de mim. Estou me referindo aqui à projeção psicológica.
Além desse modo projetado, posso reconhecer algo fora de mim, quando eu estabeleço uma relação (sincronística) com algo que possuo, sinto e vivencio em minha experiência interna. É assim que faço uma conexão significativa entre o que sinto e experiencio com o que percebo fora de mim, algo que me complementa, algo que forma uma só coisa, isto é, algo que está dentro de mim – em minha interioridade – e algo que está fora de mim – no mundo externo – são uma mesma coisa, uma só coisa, formam uma totalidade.
Jung também disse que o que chamamos de ‘parapsicologia’ é a psicologia do inconsciente, pois a psique que é expressa nos fenômenos paranormais nos apresenta a relatividade do espaço-tempo. Quis dizer com isso que o nosso funcionamento psicológico tem uma independência relativa da ‘lei newtoniana’ – da causalidade absoluta –, ultrapassando as noções de tempo e de espaço. Se não fosse assim era impossível termos percepções fora do espaço e do tempo. Sabemos que essas percepções existem, temos exemplos de clarividências telepáticas, de premonições,... são percepções não-espaciais, não-temporais. Isso nos evidencia que as nossas concepções de espaço e de tempo, sob o ponto de vista causal e racionalista, são incompletas. Então, já sabemos que há uma outra ordem para além de, acima de, em outra dimensão, que não existe a extensão espacial, isto é, que o espaço não existe e também o tempo não existe. Por isso temos que lidar com algo de nossa existência psíquica que está fora do tempo, do espaço, pois esses parâmetros são incompletos para entendermos a totalidade dos fenômenos de um modo unificado.
Como podemos explicar – usando o determinismo causal, o modelo newtoniano de mundo – que quando estamos profundamente interessados/as em algo, passemos a perceber constantemente o assunto de nosso interesse? Ainda, sem mais nem menos encontremos pessoas ligados a isso? E filmes, e livros, etc., tudo se constelando nesse nosso interesse com uma frequencia que nos causa espanto. Temos aí a presença da ‘coincidência’ com uma insistência notável. É certo que esses acontecimentos não podem ser explicados num sentido causal. Isso foi denominado por Jung de fenômenos sincronísticos, ou melhor, de sincronicidade. Foi como Jung conceituou essas ‘coincidências significativas’, as que aparentemente não possuem uma explícita conexão ou nexo físico observável.
Para Jung, ocorrências como aquelas de relógios que param quando uma pessoa morre, copos que quebram ‘espontaneamente’ em momentos em que há a manifestação de grandes emoções, entre outros fenômenos assim, formam os eventos de sincronicidade.
Concluindo, gostaria ainda de mencionar um sonho que Jung teve na época (1958) em que lançou o volume X/4. Este sonho está registrado no seu livro, digamos assim autobiográfico: MEMÓRIAS, SONHOS, REFLEXÕES (p. 279/280). No sonho ele notou que estava em sua casa e avistou, diz ele: “dois discos de metal brilhante em forma de lentes; iam em direção ao lago, por sobre a casa, descrevendo um arco de fraca luz. Eram dois OVNIs. Em seguida, um outro corpo parecia dirigir-se para mim. Era uma pequena lente circular como a objetiva de um telescópio. A quatro ou cinco metros de distância, o objeto imobilizou-se por um instante, e em seguida desapareceu. Imediatamente após, um outro chegou, atravessando os ares: uma pequena lente de objetiva com um prolongamento metálico que terminava numa caixa, uma espécie de lanterna mágica. A sessenta ou setenta metros de distância, parou no ar e me fitou. Acordei, tomado por um sentimento de espanto.” No meio do sonho disse que lhe apareceu a ideia: “Sempre acreditamos que os OVNIs fossem projeções nossas; ora, ao que parece, nós é que somos projeções deles. A lanterna mágica me projeta sob a forma de C. G. Jung, mas quem manipula o aparelho?”
Jung já sonhara outras vezes com as relações entre o eu e o self ou si mesmo, que é o centro da psique. Isso nos evidencia que as imagens inconscientes possuem a sua própria realidade, sendo o inconsciente o criador. Isto é, nossa existência real é a inconsciente, assim como é a sensação quando estamos mergulhados no sonho.
Para concluir, no livro das CARTAS III, p.54 (12.10.1956 p/ Mr. Barrett), Jung usa a “sábia frase”, como ele mesmo qualifica, do escritor holandês Eduard Dekker (1820-1887), a qual diz assim: “Não existe nada que seja totalmente verdadeiro, nem mesmo esta frase”.